sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

HISTÓRIAS DO CEMITÉRIO DO CATUMBI PARTE 4 (de 13) por Francisco Souto Neto.

HISTÓRIAS DO CEMITÉRIO DO CATUMBI
PARTE 4 (de 13)

Francisco Souto Neto

A obra biográfica Visconde de Souto: Ascensão e “Quebra no Rio de Janeiro Imperial”, escrita em coautoria por mim e minha prima Lúcia Helena Souto Martini, conta com um APÊNDICE em sua parte final, da página 457 à 510, subintitulado O Cemitério do Catumbi, no qual faço o relato do que foi a minha luta desde o ano de 1969 – há quase meio século –  pela preservação do setor histórico da referida necrópole do Rio de Janeiro, onde estão sepultados os mais importantes vultos históricos do Brasil Imperial.
O Apêndice conta com 13 capítulos. Este é o 4º capítulo do Apêndice.

APÊNDICE

O CEMITÉRIO DO CATUMBI:
DEPOIMENTO DE FRANCISCO SOUTO NETO

4

MARÇO DE 1985 – A VIGOROSA REPORTAGEM DO JORNAL DO BRASIL


Passou-se todo o mês de março de 1985 e eu não recebera qualquer manifestação por parte da Venerável Ordem, muito menos do cardeal. Em represália, nos primeiros dias de abril procurei sensibilizar a imprensa carioca para o problema. A maior receptividade veio do Jornal do Brasil, que foi ao local e publicou na página 20 da sua edição de 7 de abril de 1985 a reportagem abaixo transcrita, intitulada “IPHAN estuda tombamento de túmulos em cemitério”, ilustrada com uma fotografia do túmulo do marquês de Olinda e a seguinte legenda: “O túmulo do Marquês de Olinda está hoje cercado de mato”. Escreveu o Jornal do Brasil:
IPHAN estuda tombamento de túmulos em cemitério: / Uma equipe do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional realiza pesquisas no Cemitério do Catumbi e, dependendo dos resultados do trabalho, alguns jazigos ou mesmo o trecho mais antigo do cemitério, onde ficam sepulturas de barões, viscondes e figuras de destaque da fase de passagem do Império para República, poderão ser tombados, para evitar que desapareçam, em decorrência da depredação ou mesmo da especulação. Não existem cemitérios tombados no Rio. / O Patrimônio iniciou os estudos a partir da denúncia de que o jazigo do barão de Guaratiba foi demolido por seus descendentes para dar lugar a outras sepulturas, vendidas a terceiros. A repetição de outros casos poderia resultar num processo de liquidação de jazigos centenários que guardam os restos mortais de figuras com participação em momentos importantes da História do Brasil. Muitos desses túmulos já desapareceram sob uma favela, outros estão encobertos pelo mato e alguns foram simplesmente violados. / Desrespeito / Armas e brasões incrustados em mármores contendo datas de nascimento e morte de barões foram roubados, outros estão em pedaços ou escondidos entre moitas de capim-colonião, ervas daninhas e arbustos característicos de locais abandonados. Por ordem do interventor da Irmandade de São Francisco de Paula, Monsenhor Abílio Ferreira da Nova, a atual administração do cemitério iniciou há um mês a erradicação do mato do trecho antigo. / A entidade vem enfrentando problemas sérios, ao ponto de ter imóveis e outros bens leiloados. O Cemitério do Catumbi, que pertence à Irmandade, “sofreu reflexos disso”, conforme admite Monsenhor Abílio Ferreira da Nova. Mas ele acha que a fase crítica já passou. / – Identifiquei, há pouco, indícios de um processo que poderia resultar no fim de muitos jazigos de personagens de uma fase histórica do país. Por enquanto, isto está contido, até porque as áreas do cemitério pertencem à Irmandade e os jazigos são apenas para usufruto das famílias ou descendentes. / Na realidade, a parte alta do cemitério, a mais antiga e de maior importância histórica, ponto onde surgiram as primeiras sepulturas, teve um trecho tomado por barracos da Favela Mineira e durante anos vem sendo dominada pelo matagal. O aparecimento de assaltantes na área acabou por espantar os raros visitantes e pelo menos durante um ano o local ficou praticamente abandonado. / Indignação / Esse quadro deixou indignado o advogado Francisco Souto Neto, que em janeiro passado, ao tentar visitar os jazigos dos seus trisavós, visconde de Souto e duque de Caxias4, foi obrigado a derrubar “mato cerrado, vendo pelo caminho as sepulturas de nossos vultos históricos violadas, as lápides quebradas e mármores fragmentados, em meio a cacos de garrafas e lixo”. / “Ao alcançar a sepultura de meu trisavô, visconde de Souto, encontrei, assombrado, o mármore da campa rompido e, dentro do jazigo, diversos sacos de plástico de lixo, contendo restos mortais, como colunas vertebrais, costelas, crânios. País de memória curta! Um povo não pode se arrostar ao direito de um futuro se não aprender, antes, a respeitar a memória dos seus mortos.” / Esse trecho faz parte do documento que o advogado, residente em Curitiba, encaminhou à Ordem dos Mínimos de São Francisco de Paula, denunciando a situação do cemitério. Ontem à tarde, grande parte do trecho antigo do cemitério já estava capinado e o túmulo do visconde de Souto, o primeiro banqueiro de que se tem notícia no Brasil Imperial, começava a ficar livre do mato. Mas os sacos com restos mortais continuavam à mostra, junto à superfície da terra. O visconde nasceu no Porto, Portugal, veio para o Rio de Janeiro em 1830, aos 22 anos5 estabeleceu-se como corretor de fundos e mercadorias e acabou tornando-se vizinho e amigo de D. Pedro II. / Hoje, o túmulo do visconde de Souto está perto da sepultura do conselheiro Paulo Barbosa da Silva, primeiro-mordomo de D. Pedro II. Ao lado, fica o do Marquês de Olinda, parcialmente danificado. Mais abaixo, agora livres das ervas daninhas mas adornados pelo capim-seda, aparecem os dos barões de Villa Bella, do Maruim, Itacuruçá, Monte dos Cedros, Ibituruna e também os do marquês de Bonfim e conde de Mesquita. Todos são vizinhos das sepulturas do duque e duquesa de Caxias, que no entanto tiveram seus restos mortais levados para o mausoléu construído em frente ao prédio do antigo Ministério da Guerra, na Avenida Presidente Vargas. / Em trecho mais distante, em local cimentado, os túmulos do barão de Vila Velha e do marquês de Maricá têm permanecido um pouco livres do mato, mas ao lado deles, com a queda da campa, o de Dª Emília Pereira dos Santos, sobre a qual não existe qualquer registro de nobreza, está adornado por um mamoeiro carregado de frutos. A planta nasceu espontaneamente no fundo da sepultura e, segundo os coveiros, “os mamões são doces como mel”. / O interventor da Ordem de São Francisco de Paula, Monsenhor Abílio Ferreira da Nova, acha que a responsabilidade pela conservação do cemitério do Catumbi não cabe apenas à administração, mas também às famílias que têm parentes ali sepultados. “Nós – acrescentou o monsenhor – devemos manter as quadras e acessos limpos, mas os jazigos precisam ser mantidos ou recuperados pelas famílias. E a verdade é que muitas não se dão conta disso, deixam os túmulos abandonados”, acrescentou. (IPHAN estuda tombamento de túmulos em cemitério. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 7 abr. 1985, 1º caderno. p. 20).
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NOTAS A APÊNDICE
4 O correto deveria ter sido: “(...) ao tentar visitar os jazigos dos seus trisavós, os viscondes de Souto, e dos seus tios-trisavós, os duques de Caxias (...)”.
5 O visconde de Souto chegou ao Brasil aos 15 anos de idade, e não aos 22.
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Jornal do Brasil de 7 de abril de 1985, 1º caderno, página 20.

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CONTINUA NA PARTE 5

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