sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

HISTÓRIAS DO CEMITÉRIO DO CATUMBI PARTE 13 (FINAL) por Francisco Souto Neto.

HISTÓRIAS DO CEMITÉRIO DO CATUMBI
PARTE 13 (FINAL)

Francisco Souto Neto

A obra biográfica Visconde de Souto: Ascensão e “Quebra no Rio de Janeiro Imperial”, escrita em coautoria por mim e minha prima Lúcia Helena Souto Martini, conta com um APÊNDICE em sua parte final, da página 457 à 510, subintitulado O Cemitério do Catumbi, no qual faço o relato do que foi a minha luta desde o ano de 1969 – há quase meio século –  pela preservação do setor histórico da referida necrópole do Rio de Janeiro, onde estão sepultados os mais importantes vultos históricos do Brasil Imperial.
O Apêndice conta com 13 capítulos. Este é o 13º capítulo do Apêndice.

APÊNDICE

O CEMITÉRIO DO CATUMBI:
DEPOIMENTO DE FRANCISCO SOUTO NETO


13

2009 – 40 ANOS APÓS A PRIMEIRA VISITA AO CATUMBI


Embora este depoimento estivesse finalizado no capítulo 12, pareceu-me necessário acrescentar mais algumas considerações.
Eu e minha prima Lúcia Helena Souto Martini estávamos encerrando a biografia do visconde de Souto no segundo semestre de 2009. Retocávamos o texto, quando decidimos viajar ao Rio de Janeiro para realizar pesquisas complementares e visitar alguns locais ligados à vida do nosso biografado. Uma das expectativas era a de irmos ao Cemitério do Catumbi, 40 anos depois da minha primeira visita àquela necrópole, e 22 após a última. Soubemos que o monsenhor Abílio Ferreira da Nova9 continuava sendo o provedor da Venerável Ordem. Eu já tinha sido informado de que o tombamento da necrópole não chegou a se realizar. Pelo que soube através do próprio IPHAN, infelizmente este não teve força bastante na luta contra o desinteresse da proprietária do campo-santo.
Na tarde do dia 20 de agosto de 2009 rumamos ao Cemitério do Catumbi na companhia de Sílvia Maria Pinheiro Grumbach. Conforme relato em V – PASSADO REVISITADO, da obra Visconde de Souto: Ascensão e “Quebra” no Rio de Janeiro Imperial, no dia anterior visitáramos a Beneficência Portuguesa, quando sua diretora Isaura Taveira Barbosa, ao saber que iríamos àquela necrópole, ofereceu-nos como acompanhante o chefe da segurança daquela instituição, Jorge Pinto da Silva Júnior, para proteger-nos de situações imprevisíveis, porque o local tornou-se muito perigoso.
Fomos recebidos pelo administrador da necrópole, que antes de subirmos ao setor histórico mostrou-nos que o cemitério é agora vigiado por câmeras. Rumamos ao túmulo da viscondessa de Souto no setor 2, no qual constatamos o furto da cruz neo-gótica que existiu sobre a capela.
Em seguida subimos ao setor 1, que encontramos tão limpo quanto o 2. Entretanto... em grande maioria dos túmulos desapareceu a rica decoração em mármore esculpido. Em seu lugar, restaram apenas retângulos de pedra cobertos de cimento, sem identificação. Muito impressionado, não encontrei de imediato o jazigo do visconde de Souto. Foi preciso localizar seus vizinhos, os túmulos do marquês e da marquesa de Olinda, quase em ruínas, para ver que a sepultura do visconde de Souto é agora apenas um retângulo toscamente cimentado, não identificado. Simplesmente desapareceu a campa de granito que em 1986 ali coloquei, e que deveria durar séculos, sobre a qual eu mandara afixar a lápide original, restaurada. Alguns delinquentes devem ter gostado do granito e, de algum modo, desprenderam-no, levando-o para alguma finalidade inimaginável. Ou para vendê-lo. A preciosa lápide de 1880, inútil para os ladrões, deve ter sido descartada no lixo.
O administrador que nos acompanhava, mostrou-nos a região à esquerda do setor 1, tratada no Capítulo 7 deste depoimento, agora desmatada, contando-nos que recentemente “a facção” tinha permitido que o matagal fosse limpo. Atrás do muro, e colada ao mesmo, a favela mostrava-se muito ampliada e totalmente pintada de verde. Centenas e centenas de casebres monocromáticos, a perder de vista, todos eles ostentando o mesmo verde desbotado. A explicação: “a facção” exige aos moradores que a pintura de todas as casas seja naquela mesma cor e tom, para que a polícia tenha maior dificuldade em localizar alguma em particular.
O Rio de Janeiro, na primeira década do século XXI, tem sido a “cidade das balas perdidas”, onde o narcotráfico dita aos cidadãos de bem o que pode e o que não pode ser feito. Aparentemente, as pessoas encaram tal absurdo como natural, e parece que as autoridades se conformam com essa afronta, porque até agora não se conhecem medidas efetivas no combate ao crime.
Algo de muito errado está acontecendo. Neste país a corrupção grassa em todos os níveis da política. Os criminosos “de colarinho branco”, em Brasília, orgulhosos da sua impunidade, sorriem nas fotos estampadas nas revistas, e isso não escandaliza o suficiente, e pouco mobiliza o povo a uma reação pela moralidade e a ética10.
Sanear a Pátria é a dura tarefa a ser transmitida às novas gerações pelos homens de bem do nosso tempo. Os antepassados dos brasileiros contemporâneos, aqueles que tão bravamente lutaram pelo engrandecimento do país e legaram o exemplo da sua retidão, aqueles, inumados no Catumbi, sentiriam vergonha se soubessem que a corrupção e a violência tornaram-se habituais por aqui.
A discussão sobre os setores históricos do Catumbi não se encerrou. É necessário que os descendentes dos ali inumados tomem consciência da sua responsabilidade, reconstruam os túmulos dos seus antepassados e se unam em torno de uma nova tentativa pela preservação e tombamento daquele solo sagrado.
Que os gloriosos construtores deste país, que viveram em gerações passadas, continuem servindo de bom exemplo aos faltosos brasileiros contemporâneos, “até que outro valor mais alto se alevante”.

Francisco Souto Neto
Curitiba, 20 de janeiro de 2010

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NOTAS A APÊNDICE
9 No dia 8 de setembro de 2010, o monsenhor Abílio Ferreira da Nova foi preso em flagrante pela Polícia Federal no Aeroporto Internacional Tom Jobim, Rio de Janeiro, tentando embarcar para a cidade do Porto, em Portugal, “com cerca de R$102,6 mil não declarados”, segundo o jornal O Estado de São Paulo, o que foi também noticiado pelos principais periódicos e revistas do Brasil. Nas palavras da Veja, “Monsenhor Abílio tentava embarcar para Portugal com 52 mil euros. Parte das cédulas estava escondida nas meias e na cueca do religioso”.
10 A partir de 2010 a Secretaria Estadual de Segurança Pública do Rio de Janeiro instituiu Unidades de Polícia Pacificadora nas comunidades, para expulsar e prender quadrilhas ligadas ao narcotráfico, que controlam esses lugares como estados paralelos.

-o- 

ADENDO À PARTE 13 (FINAL)
Depoimento de Francisco Souto Neto

Após mandar reconstruir o túmulo do Visconde de Souto em 1987, levei muitos anos sem voltar ao Rio de Janeiro. Passados 22 anos, em 2009 viajei ao Rio com minha prima Lúcia Helena Souto Martini, com o objetivo de realizarmos pesquisas para o livro que estávamos escrevendo em coautoria, Visconde de Souto – Ascensão e “Quebra” no Rio de Janeiro Imperial. No dia que planejamos visitar o Cemitério São Francisco de Paula, mais conhecido como Cemitério do Catumbi, acompanhou-nos Sílvia Maria Pinheiro Grumbach, esposa de José Roberto Ponce Grumbach (nosso primo, descendente do Visconde de Souto e do Marquês de Olinda). Por gentileza da Drª Isaura Taveira Barbosa, diretora da Beneficência Portuguesa, acompanhou-nos no táxi, nas visitas que fizemos à Capela Mayrink e ao Cemitério do Catumbi, o chefe de segurança da Beneficência Portuguesa, para nos proteger da violência urbana.
Ao chegarmos ao Cemitério do Catumbi, fomos atendidos pelo atencioso administrador, que nos levou em carro elétrico até ao setor histórico. Para minha surpresa e decepção, tinha desaparecido a campa de granito que em 1987 eu mandara colocar sobre o túmulo do Visconde de Souto, e com ela foi-se a preciosa lápide original que naquela época eu mandara restaurar. O túmulo encontrava-se como mostram as fotos abaixo. Na primeira foto abaixo vê-se à esquerda um pedaço do túmulo do Marquês de Olinda. O túmulo ao lado, que é encimado por uma estátua de mulher, é da Marquesa de Olinda. Ao lado do túmulo da Marquesa, encontra-se o do Visconde de Souto com uma tampa de cimento e sem identificação. Na ala de baixo, na direção do túmulo do Visconde de Souto, Lúcia Helena Souto Martini e Sílvia Grumbach examinam o desabamento de uma outra sepultura. Na segunda foto abaixo, está o túmulo do Visconde de Souto sem a campa, sem a lápide original, coberto com cimento e sem nenhuma identificação.




-o-


No ano de 2011 eu e Lúcia Helena Souto Martini voltamos ao Rio de Janeiro, desta feita a convite de nossa prima Cybelle de Ipanema (presidenta do IHGRJ – Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, e diretora do IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro) para proferirmos uma palestra, seguida de debate com a plateia, na sede do IHGB, sob o tema “A Chácara do Souto e seu Jardim Zoológico”, alusão ao nosso artigo publicado naquele ano na Revista do IHGRJ ano 18, nº 18, 2011. Na ocasião, procurei pelo marmorista Alessandro Mário (Rua Dom Pedro Mascarenhas, 19, telefones 3972-6546 e 9192-9799) a quem encomendei a colocação de uma nova campa de granito sobre o túmulo do Visconde de Souto, e a reconstituição da lápide, com base em fotografia, em alto relevo, em mármore de Carrara, com a ortografia original de 1880. O marmorista efetuou primoroso trabalho, e o túmulo ficou pronto no corrente ano de 2012, conforme se vê nas fotografias abaixo, ambas gentilmente tiradas pelo próprio marmorista Alessandro Mário:



Aspecto atual do túmulo do Visconde de Souto.


A nova lápide de mármore é uma réplica da original, na ortografia vigente no final do século XIX.

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Curitiba, 12 de janeiro de 2018
Francisco Souto Neto


FIM

2 comentários:

  1. Boa tarde, sou historiadora e pesquiso sobre a memória relativa a guerra do Paraguai. Alguns dos mais importantes do conflito estão enterrados no cemitério do Catumbi. Apesar de morar no RJ, nunca fui ao setor histórico devido aos problemas recorrentes da localidade mencionados na sua última visita. Gostaria de fazer um contato pois me interessei muito pela história e gostaria de saber mais. Meu email abbyasouza@yahoo.com.br
    Abraços,
    Ana Beatriz

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    1. Prezada Ana Souza, somente hoje estou vendo pela primeira vez as suas palavras acima, escritas HÁ QUASE TRÊS ANOS. Eu não recebi aviso pela internet e não sabia da sua mensagem. Peço, portando, que me desculpe pelo involuntário silêncio! Pode dispor do que estiver ao meu alcance. Na biografia do Visconde de Souto, eu enumerei todos os vultos históricos com lápides intactas do Setor Histórico do Cemitério do Catumbi. Exatamente a metade dos túmulos está sem identificação devido a depredações, ignorância e violência. Ainda hoje vou enviar-lhe meu endereço de e-mail para este que a srª indicou acima. Obrigado. Até mais. Abraço.

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