sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

HISTÓRIAS DO CEMITÉRIO DO CATUMBI - PARTE 1 (de 13) por Francisco Souto Neto.

HISTÓRIAS DO CEMITÉRIO DO CATUMBI
PARTE 1 (de 13)

A obra biográfica Visconde de Souto: Ascensão e “Quebra no Rio de Janeiro Imperial”, escrita em coautoria por mim e minha prima Lúcia Helena Souto Martini, conta com um APÊNDICE em sua parte final, da página 457 à 510, subintitulado O Cemitério do Catumbi, no qual faço o relato do que foi a minha luta desde o ano de 1969 – há quase meio século –  pela preservação do setor histórico da referida necrópole do Rio de Janeiro, onde estão sepultados os mais importantes vultos históricos do Brasil Imperial.

O livro biográfico Visconde de Souto: Ascensão e “Quebra” no Rio de Janeiro Imperial, em cuja capa é anunciado o apêndice sobre o Cemitério do Catumbi.

 
O livro aberto em quaisquer das suas quase 600 páginas.

O Apêndice conta com 13 capítulos. Este é o 1º capítulo do Apêndice.

APÊNDICE

O CEMITÉRIO DO CATUMBI:
DEPOIMENTO DE FRANCISCO SOUTO NETO

1

1969 – VISITANDO O CATUMBI


A história do Cemitério do Catumbi (Cemitério São Francisco de Paula), no Rio de Janeiro, começa em 1845, quando as catacumbas da Igreja de São Francisco de Paula estavam tão lotadas, que se resolveu criar um cemitério, o primeiro a céu aberto destinado à elite e à nobreza da corte imperial.
Ao final de 1849 aprovaram-se a planta e o regulamento do novo cemitério e em 1850 os restos mortais do marechal Miguel Nunes Vidigal, falecido em 1843, foram exumados das catacumbas da igreja e trasladados para o primeiro túmulo da nova necrópole. Entretanto, naquele mesmo ano o Rio de Janeiro viu-se assolado por devastadora epidemia de febre amarela, e o governo ordenou que fossem ali sepultados cerca de três mil cadáveres de pessoas que não pertenciam à irmandade proprietária, para assim desafogar o Cemitério da Misericórdia.

O cemitério do Catumbi (acima do muro à direita) por volta de 1850. Foto da internet com marca do Instituto Moreira Salles.

Depois disso, os expoentes do Segundo Reinado voltaram a ser inumados no Catumbi.
No Rio de Janeiro, em 1969, fui ao Cemitério do Catumbi levar flores à memória dos meus trisavós António José Alves Souto (1813 – 1880) e Maria Jacintha de Freitas Souto (1819 – 1885), os viscondes de Souto. Os setores históricos 1 e 2, onde estão sepultadas importantes personalidades da capital imperial, localizam-se na parte mais alta da colina. Enquanto subia as escadarias, lembrava-me de que meu pai, Arary Souto (1908 – 1963), sempre me recomendara não esquecer os nossos antepassados.

Cemitério do Catumbi com uma das favelas laterais ao fundo. Foto encontrada na internet.

As irregularidades ali encontradas causaram-me péssima impressão. Ademais, uma grande favela avançava sobre os fundos do campo-santo. A irmandade da Venerável Ordem Terceira dos Mínimos de São Francisco de Paula, administradora e proprietária do cemitério, havia erguido um muro para conter a favela que já vinha construindo barracos sobre vários túmulos, dentre os quais o de Teófilo Otoni.
No muro havia um buraco e por ali entravam e saíam pessoas. Os habitantes da favela preferiam atravessar o cemitério para chegar à rua, em vez de usar as vias próprias da sua comunidade. Por aquela passagem circulavam não apenas as pessoas sérias e honestas que ali viviam e que merecem respeito. O grande problema é que muitos daqueles indivíduos eram depredadores, que se divertiam golpeando os delicados mármores dos túmulos com barras de ferro, conforme relato de funcionário da portaria do cemitério.
Os bustos dos meus trisavós, que originalmente se localizavam dentro das respectivas capelinhas, tinham sido furtados, assim como dois dos quatro vasos de mármore do túmulo do visconde. À capela deste, também faltava uma parede lateral, o que fragilizava e comprometia a sua integridade.
No século XIX as sepulturas da área nobre do Catumbi quase sempre eram individuais. Marido e mulher, mesmo os da nobreza eram, via de regra, inumados separadamente. Deste modo, o túmulo do visconde de Souto localiza-se no setor 1 e o da sua viscondessa no setor 2. As pequenas capelas existentes em muitos desses túmulos, em geral abrigavam apenas o busto da pessoa ali sepultada. O resultado disso, em termos de estética, deu ao cemitério jazigos com aspecto de singela delicadeza e raro bom-gosto.
Numa mesma rua do setor 1 encontram-se, lado a lado, o túmulo do marquês de Olinda, que era avô de uma nora do visconde de Souto, o da marquesa de Olinda, e o do próprio visconde de Souto. Poucos metros acima, localiza-se a sepultura do visconde de Vila Izabel e também o conselheiro Paulo Barboza da Sylva, identificado no mármore como “1º Mordomo de S. M. o Sr. Dom Pedro II”. Um pouco adiante, está o jazigo do visconde de Congonhas.
O túmulo da viscondessa de Souto, na quarta rua do setor 2, um pouco distante do do visconde, apresentava-se perfeitamente preservado, exceto pelo desaparecimento do busto. Na segunda rua alinham-se os túmulos de alguns notáveis, como o barão de Maroim (senador do império), duquesa de Caxias, duque de Caxias, barão de Santa Mônica e marquês de Bonfim. Na terceira rua, o general Severo Luiz da Costa Labareda Prates, o barão e baronesa de Itacurussá e o conde de Mesquita. A quarta rua inicia-se com a campa do barão de Villa Bella, cuja capela muito alta e fora do nível ameaçava desabar sobre dois túmulos da terceira rua identificados como do comendador Manoel Teixeira da Cunha e do dr. André Pereira Lima. Vizinhos ao túmulo da viscondessa de Souto estão o do marquês de Sapucahy e general Manoel Estanislau Castro e Cruz. Na quinta rua estão os jazigos do barão de Ibituruna e da baronesa Homem de Mello. Entre tantos nomes importantes, localizei, na oitava rua do setor 2, uma comovente homenagem: o mármore registra, simplesmente, “Nhonhô (Homenagem dos seus protetores)”. Tratava-se de um escravo ou liberto, cujos “protetores” resolveram sepultá-lo entre vultos expoentes, numa demonstração do amor e respeito que tinham pelo falecido. Esse túmulo registra, muito bem, a existência de donos de escravos que os trataram e os amaram como se fossem seus próprios familiares.

Capela do túmulo do Visconde de Souto em 1969. Já faltavam algumas floreiras. O busto em mármore do Visconde, que existia dentro da capela, também já fora furtado, bem como a cruz gótica que encimava a construção.

 
Francisco Souto Neto no túmulo de seu trisavô António José Alves Souto, o Visconde de Souto, em 1969.

A lápide de mármore que identificava o túmulo do Visconde.

Em 1969, o túmulo da Maria Jacintha de Freitas Souto, a Viscondessa de Souto, idêntico ao do Visconde. Mais bem preservado, ainda com a cruz gótica sobre o telhado na parte da frente, e a agulha na parte dos fundos. Inteiramente em mármore de Carrara. O busto da Viscondessa também já tinha sido furtado.

A lápide de mármore que identifica o túmulo da Viscondessa.

O túmulo de José Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, tio-tetravô de Francisco Souto Neto.

Francisco Souto Neto em 1969 ao lado do túmulo de sua tia-tetravó a Duquesa de Caxias.

O túmulo de um dos filhos do Visconde de Souto, Manoel José Alves Souto.

Folha de álbum de fotografias de Francisco Souto Neto (1969).

         Vale observar que as tumbas do duque e duquesa de Caxias estão vazias. Seus restos mortais foram exumados em 1949 e levados para o Panteão de Caxias localizado na Praça da República, em frente ao Palácio Duque de Caxias, antigo prédio do Ministério da Guerra.
Fotografei alguns túmulos e me dirigi à Venerável Ordem, então presidida por Vicente Noronha. Fui recebido pela secretária, a senhora Maria Hiluz del Priori, que me conduziu ao presidente, a quem entreguei os documentos que portava especialmente para a ocasião, oferecendo-lhe as provas de ser trineto dos viscondes de Souto, e recebi dele o reconhecimento oficial, através de uma declaração, de que eu me tornava, a partir dali, o guardador dos jazigos perpétuos, não apenas dos viscondes de Souto, como também do meu tio-bisavô Manuel José Alves Souto, já que o túmulo do mesmo encontrava-se igualmente com aspecto de abandonado.

Sr. Vicente Noronha, presidente da Venerável Ordem Terceira dos Mínimos de São Francisco de Paula em 1969 (proprietária do Cemitério do Catumbi).

 
Sr. Vicente Noronha e sua secretária Maria Hiluz Del Priori em 1969.

 
Francisco Souto Neto e Vicente Noronha em 1969.

Nessa declaração estão mencionados os seguintes números dos registros dos sepultamentos: o visconde no jazigo 29, quadro 1, registro n.º 7445; a viscondessa no quadro 2, registro n.º 8112 e Manuel José Alves Souto no quadro 2, registro n.º 9012. Tal declaração termina com estas palavras:
Tendo recebido e arquivado os referidos documentos, e estando comprovada oficialmente sua descendência do visconde e viscondessa de Souto [...] tornou-se o Sr. Francisco Souto Neto, a partir desta data, o responsável de direito pela guarda dos jazigos dos seus ancestrais. (Noronha, V. Carta para Francisco Souto Neto. Rio de Janeiro, 1969, 1 f.).
O presidente da Ordem falou das dificuldades em manter intacto o muro dos fundos do cemitério, mas que iria não só aumentar-lhe a altura, como também torná-lo mais espesso. Ficou combinado que a irmandade, ao realizar as obras da contenção da favela, também efetuaria, às minhas expensas, o reforço da parede que faltava à capela do túmulo do visconde de Souto.
Retornando a Curitiba, onde resido, enviei uma carta à administração do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, na capital do então Estado da Guanabara, sugerindo o tombamento do Cemitério do Catumbi, pelos motivos óbvios.


-o-

CONTINUA NA PARTE 2

Nenhum comentário:

Postar um comentário