quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

ROUEN: JOANA D'ARC, A CATEDRAL E A IGREJA DAS PEDRAS QUE CAEM por Francisco Souto Neto para o Portal Iza Zilli

Francisco Souto Neto na fachada Oeste da Catedral de Rouen.


PORTAL IZA ZILLI


Iza Zilli


Comendador Francisco Souto Neto

Rouen: Joana d'Arc, a Catedral e a Igreja das Pedras que Caem
Francisco Souto Neto

         Visitei a cidade francesa de Rouen na companhia de Rubens Faria Gonçalves. Ambos desejávamos passar alguns dias na histórica cidade, explorando seus aspectos culturais, principalmente a sua arquitetura. Eu, em particular, tinha curiosidade em conhecer os locais historicamente marcados por Joana d’Arc.

FOTO 1 – A sinistra torre onde Joana d’Arc foi torturada e estuprada antes de ser mandada para a fogueira.

FOTO 2 – O local onde Joana d’Arc foi queimada viva, é hoje marcado por um jardim de petúnias vermelhas que, ao vento, assemelham-se a chamas em movimento. A placa, “Le Bucher (A Fogueira)” diz: "Local onde Joana d’Arc foi queimada em 30 de maio de 1431”.

          Nós visitamos a sinistra torre em que a santa de Orleans foi torturada, o local – hoje marcado por um canteiro de flores e uma imensa cruz – em que foi morta na fogueira e a igreja onde, anos depois, sua memória foi reabilitada.

A catedral

          Rumamos à catedral, e à medida em que a alcançávamos, eu perdia o fôlego ante a beleza das torres desse obra-prima do gótico francês. Ela é quase um delírio de vários arquitetos da Idade Média que, em diferentes épocas, realizaram suas múltiplas e altíssimas torres desiguais. No ano de 1200 ela sofreu um grande incêndio, e a reconstrução foi financiada pelo famoso João Sem Terra, Duque da Normandia e Rei da Inglaterra. A agulha central é gigantesca, neogótica, em ferro fundido.

          Meu amigo Rubens observou que aquela mistura de tantas torres de diversos formatos e alturas numa fachada retilínea, chegava a ser uma confusão. Concordei, dizendo-lhe: “Para mim, é um forrobodó arquitetônico”. Fomos então contornando a catedral, procurando pela famosa Fachada Oeste, a preferida de Monet, tantas vezes retratada pelo velho mestre impressionista. Monet tinha razão ao dizer que aquele lado da igreja era o seu predileto. Tal fachada é simétrica, com um rendilhado extraordinário e a rosácea magnífica. Rubens gostou demais e disse que, não fossem os excrementos de pombos ali no chão, ele se deitaria para melhor apreciar aquele espetáculo monumental. De tanto olhar para cima, chegamos a sentir-nos tontos. Tiramos muitas fotos do exterior do templo.

FOTO 3 – As diversas torres da incrível fachada principal da Catedral de Rouen, um verdadeiro delírio arquitetônico.

 
FOTO 4 – Fachada Oeste da Catedral de Rouen, com duas torres, era a predileta de Monet.

FOTO 5 – Souto Neto em frente à Fachada Oeste, para que se tenha uma impressão das dimensões da porta.

          Por dentro, ela não é menos fantástica. Um dos destaques, visto só com visitas guiadas, é o túmulo onde está enterrado o coração de Ricardo Coração de Leão. Acima da lanterna da torre central fica a já mencionada agulha neogótica, cercada de três outras torres secundárias. Falta a quarta torre, que desabou durante um vendaval há cerca de 20 anos, atravessou o teto e caiu quase sobre o altar. Há uma exposição permanente com fotos do estado em que ficou a igreja e do processo da sua restauração.

St. Ouen, a igreja das pedras que caem

          Há na cidade, várias outras igrejas de estonteante beleza. Uma delas é a St. Ouen, cuja construção começou em 1318 e terminou no século 15. Enegrecida pelo tempo, tem toda a fachada interditada e placas que afastam os transeuntes com as seguintes palavras: “PERIGO – PASSAGEM PROIBIDA – QUEDA DE PEDRAS”. Tal como em outra igreja que tínhamos visto na cidade de Honfleur, também nesta há blocos imensos que, vez ou outra, se desprendem, espatifando-se no solo. Imaginamos que se por fora estava em total degradação – apesar da beleza extraordinária – o interior deveria estar cheio de teias de aranha e ratos.

FOTO 6 – Fachada da Igreja de St-Ouen

 
FOTO 7 – À esquerda, a prefeitura de Rouen. À direita, o lado norte da Igreja de St-Ouen.

 
FOTO 8 – Lado sul da Igreja de St-Ouen. A placa branca adverte: "ATENÇÃO: PASSAGEM PROIBIDA. QUEDA DE PEDRAS". A parede negra, atrás de Francisco Souto Neto, é de pedras encardidas pela passagem dos séculos.

 
FOTO 9 – Atrás de Rubens Faria Gonçalves, os fundos da Igreja de St-Ouen, onde as pedras estão limpas, restauradas, diferentes da fachada e do lado sul, onde as pedras são negras de tão velhas e donde às vezes se desprendem.

          Contornando a igreja, vimos que pessoas entravam nela por uma porta lateral, onde não havia placa de perigo ou passagem proibida. Eu me senti muito curioso e entrei, não sem antes dar uma olhadinha para os blocos de pedras acima da minha cabeça, enquanto o desconfiado Rubens preferiu esperar do lado de fora. Que contraste: o interior, grandioso, estava totalmente restaurado, com as paredes limpas, e tudo impecável. A luz penetrava gloriosamente através dos vitrais, recaindo sobre o órgão de impressionantes dimensões, e fazendo fulgurar as esculturas folheadas a ouro. Chamei pelo Rubens que entrou, admirado ante o contraste do exterior, que está desmoronando, com o deslumbrante interior da igreja.

          Muito em breve, sem dúvida, St. Ouen não será mais a “igreja das pedras que caem”, porque suas paredes exteriores serão também restauradas, as pedras seculares fixadas e o templo brilhará por mais mil anos.



TRÊS FILMES FEITOS EM ROUEN NA MESMA OCASIÃO:

1º - Viagem a Rouen. Hotel du Morand. A fogueira de Joana d’Arc:


2º - Vítimas da Gestapo, Torre onde Joana d’Arc foi torturada, o Velho Mercado, Igreja de Joana d’Arc:


3º - L’Abbaye de Saint Ouen (a incrível Igreja das Pedras que Caem):



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sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

PRAGA, CAPITAL DA REPÚBLICA TCHECA por FRANCISCO SOUTO NETO para o PORTAL IZA ZILLI.


Francisco Souto Neto na casa de Franz Kafka em Praga.

PORTAL IZA ZILLI

Iza Zilli

Comendador Francisco Souto Neto

Praga, capital da República Tcheca

Francisco Souto Neto 

Com cerca de um milhão de habitantes, Praga (Praha) é a capital da República Tcheca, país formado em 1993, da divisão da antiga Tchecoslováquia. Fica na Boêmia e é, talvez, a mais bela das capitais europeias, com uma riquíssima arquitetura que impressiona até aos mais insensíveis.

Há mil anos, Praga já era uma cidade próspera. Durante a Idade Média, desfrutou de uma época de ouro, tendo se tornado grandiosa e maior do que Londres e Paris. Sob o reinado de Carlos IV (1347-1378) foi fundada a Universidade de Praga, a primeira da Europa. No século XVIII construíram-se magníficos palácios e igrejas barrocas. Com a Segunda Guerra Mundial veio a ocupação nazista; em seguida, o comunismo cerceou sua liberdade durante 40 anos. Só após a Revolução de Veludo, em 1989, Praga pôde renascer para o mundo em todo seu esplendor.


FOTO 1 - Rubens Faria Gonçalves entrando na Charles Bridge.


FOTO 2 - Francisco Souto Neto na Praça Staromestské, ao lado do Relógio Astronômico de 1338. Ao fundo, a Igreja de Týn.

O Castelo de Praga e a Defenestração

Acima do bairro Malá Strana, situa-se o Castelo de Praga, gigantesca construção que ocupa cerca de 250 por 600 metros de extensão. Dentro de tal complexo, protegidos por alta muralha, estão localizados não somente a Catedral de São Vito, a Basílica de São Jorge e outras igrejas, como também o Palácio Real, o Palácio Lobkowicz e um convento, dentre inúmeros outros itens.

As obras da Catedral começaram em 1344 e foram concluídas por arquitetos e artistas dos séculos XIX e XX.

Quem nunca ouviu falar da Defenestração de Praga? Passeando pelos Jardins Reais, olhei para as janelas do último andar do palácio e me lembrei do episódio que aprendi no colégio, em aula de História: no dia 23 de maio de 1618, mais de cem nobres protestantes invadiram referido palácio, e após violenta discussão com os dois maus políticos que eram os governantes católicos chamados Jaroslav Martinic e Vilém Slavata, atiraram ambos, com o secretário Phillip Fabricius, pela janela leste. Os três resistiram à queda de quinze metros por terem caído em um monte de estrume. Os católicos atribuíram a sua sobrevivência à intervenção divina, mas o incidente deu início à Guerra dos Trinta Anos.

Alquimistas e Kafka

Na parte mais remota do Castelo de Praga localiza-se a Rua do Ouro, também chamada Rua dos Alquimistas. Estão ali pequenas casas encostadas à muralha do Castelo, onde moravam os guardas e arqueiros do rei. No século XVI passaram a residir naquele lugar os alquimistas, por ordem do próprio rei, para que estes fizessem suas experiências visando criar ouro... daí, o nome da rua. Na primeira metade do século XIX, essas pequenas habitações foram residências de estudantes pobres, e na casinha com o nº 22 pintado toscamente sobre a porta de entrada, morou o jovem Franz Kafka. Ali funciona hoje uma pequena livraria. Entrei, corri os dedos pelas paredes e fiquei pensando que aquele lugar tão singelo e apertado deve ter inspirado Kafka a escrever A Metamorfose, romance em que o escritor, transformado em uma gigantesca barata, passeia melancólico pelas paredes e teto do exíguo quarto. Atualmente as casas da Rua do Ouro são galerias de arte, livrarias e antiquários.

FOTO 3 - Francisco Souto Neto na Rua do Ouro nº 22, na pequena casa onde residiu Franz Kafka.

 
FOTO 4 - Rubens Faria Gonçalves dentro da casa de Franz Kafka, hoje uma livraria.

Atrações de Praga

As atrações culturais de Praga contam-se às centenas e é até difícil priorizá-las dentro de tamanha diversidade. Vão elas da extraordinária Ponte Charles, do Teatro Nacional de Marionetes, da Igreja de Nossa Senhora Vitoriosa e do Velho Cemitério Judaico, às praças Wenceslau e Staromestské, à Igreja de Týn, e a incontáveis outros locais.

O Velho Cemitério Judaico, por exemplo, foi o único lugar onde, durante 300 anos, os judeus podiam ser sepultados. Fundado em 1478, nunca pôde ser ampliado, de modo que, por falta de espaço, os mortos eram enterrados uns sobre os outros, em até doze camadas de sepulturas. No total, são mais de doze mil lápides que correspondem a cerca de cem mil mortos. O último judeu a ser ali enterrado, foi Moses Beck, em 1787. 
Numa sinagoga anexa, em memorial, estão os nomes dos tchecos mortos no Holocausto. Segundo se diz, durante a ocupação nazista Hitler mandou preservar o cemitério porque queria ele integrasse um museu que fizesse alusão “a uma raça extinta”. Hoje, em todo o complexo e arredores há cinco sinagogas, um Museu de Artes Decorativas e a Prefeitura Judaica do século XVI, que celebram a vitória da sobrevivência.


 
FOTO 5 - Souto Neto no Cemitério Judeu.

Noutro extremo da cidade, a Igreja Nossa Senhora Vitoriosa exibe a famosa estátua do Menino Jesus de Praga. Tal imagem, num altar lateral de ouro resplandecente, que se diz ser responsável por enorme número de milagres e curas, é uma das mais veneradas do mundo católico.

No centro da capital fica a Praça Wenceslau, chamada de “praça”, mas que é, na verdade, uma extensa avenida com largo jardim central, cercada de alguns dos mais belos edifícios art-nouveau do mundo. Na Segunda Guerra Mundial, os tanques de Hitler desfilaram nessa praça; em 1969 aconteceu naquele lugar a Primavera de Praga e, em 1986, a Revolução de Veludo. Quem, da minha geração, não se lembra do estudante Poloch imolando-se ali em fogo, e morrendo pela liberdade do país? No lugar onde isto aconteceu, bem no meio do jardim ao centro da praça, o povo mantém velas acesas. Quando vi as pequenas chamas, logo percebi que homenageavam a memória dos dois rapazes que foram “vítimas do comunismo”. Duas fotografias de ambos, protegidas por um plástico improvisado, estão colocadas sobre a grama. Filmei um pouco daquele clima de consternação e fiquei observando as velas bruxuleantes ao vento, e as expressões sensibilizadas dos turistas que reverenciavam a História.


FOTO 6 - Rubens Gonçalves na Praça Wenceslau.

FOTO 7 - Souto Neto na Praça Wenceslau, no lugar onde morreram os dois jovens estudantes em 1969, "vítimas do comunismo".

 
FOTO 8 - Homenagem aos dois mortos que se imolaram, "vítimas do comunismo", como lembra a placa.

Haveria muito mais a dizer sobre Praga, mas este texto não teria fim. E é bem esta a realidade das cidades europeias de passado muito extenso e história extremamente rica...


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