sábado, 2 de abril de 2016

"UM SONHO SURREALISTA COM JUAREZ MACHADO E A MUDANÇA DO CURSO DA MINHA VIDA" do Comendador FRANCISCO SOUTO NETO para o PORTAL IZA ZILLI



Juarez Machado 



PORTAL IZA ZILLI


Iza Zilli

Comendador FRANCISCO SOUTO NETO

Um sonho surrealista com Juarez Machado
e a mudança do curso da minha vida
 Francisco Souto Neto

Prólogo

     Um sonho pode mudar o curso de uma vida, e isto aconteceu comigo. Porém antes de relatar tal sonho, ocorrido no ano de 1978, devo retroceder ao ano anterior, quando conheci os desenhos de Chico Lopes, um artista autodidata de Novo Horizonte, interior de São Paulo. Fiquei impressionado com o trabalho que aquele jovem realizava com caneta esferográfica sobre papel. Comprei dele alguns desenhos. De volta a Curitiba, levei-os ao Ennio Marques Ferreira que na ocasião era presidente da Fundação Cultural de Curitiba, para perguntar-lhe da possibilidade de realizar uma exposição com os trabalhos do artista que a meu ver merecia divulgação. O Ennio mostrou-se entusiasmado com aquela arte e me adiantou que o conselho consultivo da Fundação Cultural sem dúvida o incluiria no calendário dos expositores para o ano seguinte... e foi o que aconteceu.



 

FOTO 1 – Cartaz-convite para a exposição de Chico Lopes.


FOTO 2 - Elogios a Chico Lopes por Francisco Souto Neto e Rubens Faria Gonçalves.

     Seria aquela a primeira exposição de Chico Lopes. Ele me pediu para escrever a sua apresentação ao público de Curitiba, e solicitou o mesmo a Rubens Faria Gonçalves, de quem ele já conhecia alguns textos e os apreciava. Ambos manifestamos nossas opiniões sobre os desenhos, Chico aprovou-os e a Fundação Cultural providenciou o belíssimo cartaz-convite para a mostra, que foi inaugurada em 31 de agosto de 1978.

     Por volta daqueles dias, realizava-se no BADEP uma exposição coletiva de artistas catarinenses denominada “Arte Barriga Verde”. Eu era Assessor de Diretor do Banestado e trabalhava na Rua Monsenhor Celso, onde estavam instaladas as diretorias e a presidência do banco oficial do Paraná. No intervalo do almoço fui ver a exposição que alguém me recomendara.

     Uma das telas chamou minha atenção. A pintura mostrava duas vacas sobre uma cama, e na cômoda ao lado havia uma cruz. Achei aquele surrealismo muito divertido. Fui olhar a assinatura e encontrei o nome do artista Juarez Machado, que então era um profissional já conhecido porque tinha uma página de charges ou desenhos de humor intelectualizado numa revista semanal, não me recordo se O Cruzeiro ou Manchete, e um quadro de mímica ou pantomima no programa Fantástico da Rede Globo, que era muito apreciado. Eu sabia que Juarez Machado era catarinense e seus desenhos conhecidos das pessoas que se interessavam por artes plásticas. Eram dois os quadros que aquele artista estava expondo. No outro, via-se uma figura humana de perfil, cuja cabeça se esticava para trás, como que transformada num pão de forma fatiado. Surrealismo da melhor qualidade. Eu não sabia que Juarez Machado pintava; acreditava até ali que ele fizesse somente desenhos. Vi toda a coletiva, almocei rapidamente e voltei para o trabalho. Passaram-se alguns dias e me esqueci completamente da exposição, absorvido por minha atividade intensa na diretoria do Banestado.

O sonho e a compra da tela

     Foi quando, numa daquelas noites, sonhei que estava visitando a exposição do BADEP e que comprava o “quadro das vacas”. Quando chegava em casa, abria o pacote e via que adquirira um quadro muito mal feito, com uns bezerros comendo capim, e essa obra era assinada por Juarez Macedo, e não Machado. Gritei no sonho “Fui enganado!” e acordei no meio da noite. Depois de algum tempo voltei a dormir. Na manhã seguinte, uma sexta-feira, lembrei-me do sonho e senti vontade de voltar ao BADEP para rever o quadro. Fui... e desejei  comprá-lo. O preço era acessível, mais ou menos parecido com os dos demais expositores. Eu não costumava fazer compras a prazo (e continuo nada comprando em prestações), porém perguntei à moça que atendia aquele espaço, se o preço poderia ser parcelado. Ela me respondeu que os parcelamentos deveriam ser tratados diretamente com o artista e me deu o número do telefone do Juarez Machado no Rio de Janeiro.



FOTO 3 – “Senhor e Senhora Fulano de Tal”, Juarez Machado, 1977.

     Em casa, à noite, fiz a ligação para o Rio. Atendeu o próprio Juarez. Eu contei a ele que tinha visto sua tela “das vacas” na exposição, e que dias depois ocorrera-me um sonho, que lhe narrei. Do outro lado da linha, eu ouvia o riso do artista. Ele me disse: “O nome do quadro é Senhor e Senhora Fulano de Tal”. Então não eram “vacas” sobre a cama, mas uma vaca e um boi. Indaguei-lhe se poderia me parcelar a compra, e sua resposta foi: “É claro que sim, mas vá ao BADEP na manhã de segunda-feira, porque naquela data os quadros já começarão a ser embalados para serem devolvidos a Joinville”. E acrescentou que eu poderia ficar tranquilo quanto ao pagamento, porque seu irmão chamava-se Edson e este costumava ir uma vez ao mês a Curitiba, ocasião em que me procuraria para os acertos de contas.

     Quando na segunda-feira procurei pela moça que cuidava da exposição no BADEP, ela me falou que eu poderia levar o quadro imediatamente porque o Juarez Machado já tinha telefonado dizendo-lhe que poderia liberar a obra para mim. Fiquei surpreso, pois acho que o Juarez nem sequer sabia qual o meu nome e agiu com absoluta confiança. A moça anotou meu nome e endereço do meu empregador... e assim, todo contente, eu levei o quadro para casa.

Conhecendo Edson Busch Machado

     Muito tempo depois, certa tarde, surgiu em meu gabinete de trabalho o irmão do Juarez, um jovem simpático e dinâmico. Como costumava fazer sempre que vinha a Curitiba, o Edson Machado percorrera os espaços culturais e galerias de arte para ver o que estaria acontecendo culturalmente nesta capital. Quando, ainda pela manhã, ele esteve na Fundação Cultural e viu a exposição de Chico Lopes, a quem me referi no primeiro parágrafo deste artigo, ele me contou depois que notou o nome de quem assinava a apresentação daquela mostra e disse consigo mesmo: “Francisco Souto Neto é justamente o nome da pessoa que comprou o quadro do Juarez, e com quem irei falar à tarde”. Ao encontrar-me, disse-me o Edson que tinha gostado do meu texto a respeito dos desenhos de Chico Lopes e que ele, Edson, iria realizar uma exposição em Joinville e gostaria que eu escrevesse sobre sua arte. Contei ao Edson que, para a exposição do Chico, eu tinha escrito pela primeira vez e muito instintivamente sobre arte, mas sem conhecimento de técnicas. Edson Machado insistiu que traria os seus desenhos a Curitiba para eu vê-los pessoalmente, e assim eu poderia simplesmente escrever sobre a impressão que os mesmos provocariam em mim. Achei boa a ideia e fiz a apresentação para o seu catálogo-convite. A mostra chamou-se Homenagem a Poetas, Jornalistas e Escritores. Fui a Joinville para o vernissage e mantive contato com os artistas e intelectuais daquela cidade. Na ocasião o Edson pediu-me para apresenta-lo por carta a Chico Lopes, porque ele estava disposto a realizar uma exposição do mesmo em Joinville. E assim começava o meu envolvimento com a arte, que mudaria o curso da minha vida.



FOTO 4 – O catálogo para a individual de Edson Machado.


FOTO 5 – Texto de apresentação.



FOTO 6 – No vernissage, Edson Busch Machado e Francisco Souto Neto

     Na verdade, arte não me era estranha. Eu ia frequentemente a exposições, lia a coluna de Adalice Araújo, a mais conhecida e respeitada crítica de arte do Paraná e conversava com amigos sobre esse tema. Por isso não me foi difícil escrever para as exposições de Chico Lopes e Edson Machado. Logo outro artista me pediu para escrever para o catálogo de sua exposição. Tomei o exemplo de Adalice para escrever sempre com seriedade. Comecei a entender das incontáveis formas e técnicas da arte.



FOTO 7 – Em fotografia de 1983, a mãe de Souto Neto, Dª Edith Barbosa Souto (1911-1997) com seu chihuahua Quincas Little Poncho (1973-1989), e a tela de Juarez Machado integrada à parede da casa. 

     Como Assessor da Diretoria do Banestado, e no princípio coadjuvado pelo colega Tadeu Petrin, criei o Salão Banestado de Artistas Inéditos com a finalidade de descobrir novos talentos, expô-los e projetá-los no cenário artístico. O projeto abrangeu não apenas o Paraná, mas todos os Estados onde o Banco tinha agências, mais o Distrito Federal. Pouco tempo depois veio o convite do jornalista Aroldo Murá Haygert para que eu inaugurasse uma coluna de crítica às artes plásticas em meia página do Jornal I&C (Diário Indústria & Comércio), que depois passou a página inteira nas edições especiais do Jornal de Domingo. Nunca, jamais, em qualquer circunstância, cobrei de quem quer que fosse, tanto nas minhas colunas da imprensa, quanto nos textos que escrevi para catálogos. Criei uma tradição de seriedade nos textos e isto fez com que minhas publicações (jornais, revistas e rádio) se tornassem respeitadas. Até as minhas eventuais críticas negativas eram feitas com o cuidado de não ferir ou magoar o artista, mas sugerindo-lhe medidas e caminhos para evoluir em seu métier.

Adalice Araújo e tudo o que se seguiu

     Para completar a história do sonho que me levou a comprar um quadro do Juarez, certa ocasião, durante uma visita que recebi de Adalice Araújo que veio à minha casa em companhia de Heliana Grudzien, Adalice contou-me que estava presente quando Juarez Machado pintava a tela “das vacas” (Senhor e Senhora Fulano de Tal), e que esta foi a sua primeira obra em óleo sobre tela.



FOTO 8 - Adalice Araújo (1931-2012), visitando Francisco Souto Neto em 2006, este segurando seu chihuahua Paco Ramirez (2003-2015), fala sobre a tela que viu Juarez Machado pintar.

     É evidente que Juarez não tinha, nem de longe, a técnica absolutamente magnífica que hoje domina. A propósito, desde sempre percebi a existência bem óbvia de “arrependimentos” naquela pintura. “Arrependimento” é o nome tecnicamente dado às pinturas que vinham sendo executadas e de repente o artista mudou de ideia, ou alterou uma parte da pintura, ou às vezes até mudou inteiramente o tema. Alguns traços de pintura anterior a “Senhor e Senhora Fulano de Tal” podem ser vistos com facilidade na tela, não apenas quando olhada contra a luz. Entretanto, neste caso específico, tal detalhe torna o trabalho ainda mais interessante e enriquece a história dessa pintura.

     Tudo o que se passou após aquele sonho faz parte da guinada da minha vida que me trouxe a este momento. Se aquele sonho não tivesse me ocorrido, eu não teria comprado aquela tela, não conheceria o Edson, não teria me tornado um crítico de arte, não teria me envolvido profundamente com as artes plásticas e nem estaria aqui contando esta história. A minha vida teria – que incógnita! – tomado outro curso.

     ...eu poderia até nem mesmo estar aqui.

     Sim, há sonhos que podem mudar o curso de uma vida. A minha, sem dúvida, foi para melhor... graças a Morfeu, o deus grego do sono e dos sonhos.


FOTO 9 – Morfeu, deus do sono e dos sonhos (Colagem, desenho e pintura. Autor: Mac Gregor).

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OBSERVAÇÃO:

Os textos para as apresentações das individuais tanto de Chico Lopes quanto de Edson Busch Machado, poderão ser lidos no seguinte link:


Detalhes da visita de Adalice Araújo e Heliana Grudzien a Francisco Souto Neto, e fotografias da ocasião, poderão ser vistos no seguinte link:

http://viagenseopinioes.blogspot.com.br/2011/09/francisco-souto-neto-cairo-cidade.html

Em 2017 o jornalista Aroldo Murá incluiu meus traços biográficos no 9º volume da coleção VOZES DO PARANÁ - Retratos de Paranaenses, no qual, além de relatar detalhes da minha vida desde a infância, fez referências ao sonho (objeto deste artigo no blog) e mencionou o episódio com a exposição de Chico Lopes, no seguinte link:

https://soutoneto.blogspot.com/2020/04/vozes-do-parana-retratos-de-paranaenses.html



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2 comentários:

  1. Incrível a história de sua trajetória Sr Francisco! Impactada é a palavra que melhor se adéqua saber como o rumo das coisas que nos fazem ser quem somos!

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  2. Prezada Carol, agradeço-lhe por ter lido meu artigo e por manifestar-se aqui no meu blog. Obrigado por sua gentileza. Abraços extensivos a seus familiares.

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