sábado, 30 de janeiro de 2016

"EM HELLBRUNN, AS FONTES MÁGICAS DO PRÍNCIPE-ARCEBISPO MARKUS SITTIKUS", coluna do Comendador FRANCISCO SOUTO NETO no PORTAL IZA ZILLI.

PORTAL IZA ZILLI

Portal Iza Zilli de 31.1.2016

Iza Zilli


Comendador FRANCISCO SOUTO NETO

EM HELLBRUNN, AS FONTES MÁGICAS
DO PRÍNCIPE-ARCEBISPO MARKUS SITTIKUS

Por Francisco Souto Neto

O poderoso príncipe-arcebispo Markus Sittikus (também grafado Marcus Sitticus) von Hohenems (1574-1619) viveu na cidade austríaca de Salzburg, nas cercanias de onde mandou construir um palácio de verão de grande importância arquitetônica e decorado com requintados interiores, o Palácio Hellbrunn, numa época em que o Brasil era ainda uma inexpressiva colônia portuguesa sob o domínio dos reis de Portugal e da Espanha, estes últimos do período filipino quando Portugal esteve sob a administração da coroa espanhola. O Brasil tinha sido dividido em Capitanias Hereditárias com objetivo principal de iniciar a colonização pelos portugueses.

FOTO 1 – Francisco Souto Neto com Palácio Hellbrunn ao fundo.

FOTO 2 – Rubens Faria Gonçalves na entrada do Palácio Hellbrunn.

FOTO 3 – Souto Neto e as janelas do porão do Palácio Hellbrunn.

É impressionante que em tempos tão remotos, há mais de 400 anos, quando na Europa a Santa Inquisição ou Santo Ofício ainda condenava os pobres hereges à perversa e dolorosa morte na fogueira, tenha existido um príncipe-arcebispo que pode ser lembrado por nós como um brincalhão, antes mesmo de o considerarmos o grande mecenas que ele realmente foi, se levarmos em conta os divertidos jogos d’água que mandou instalar ao lado do seu palácio.

FOTO 4 – A fonte da mesa de jantar.

As características das fontes e dos jogos d’água não encontram similares em todo o mundo. O passeio por lá é feito em grupos guiados. A primeira fonte que visitamos foi uma incrível mesa de mármore, ladeada por dez bancos do mesmo material. A mesa, bancos, e o piso ao redor desse cenário, formam o conjunto de uma fonte fantástica... uma fonte disfarçada de mesa com assentos para surpreender os convidados do príncipe-arcebispo, o bem-humorado anfitrião. Ele convidava (o convite era uma ordem) as pessoas a se sentarem, e ele próprio também tomava um assento. Então eram todos colhidos por súbitos jatos d’água que jorravam verticalmente dos bancos (exceto do lugar ocupado pelo príncipe-arcebispo), e de vários pontos ao redor da mesa. Ninguém poderia levantar-se antes que o próprio anfitrião deixasse o seu lugar seguro. Era uma brincadeira sem qualquer conotação de sadismo. Ao contrário, os felizes convivas contariam essas histórias a seus filhos e estes as perenizariam através de muitas gerações. A fonte da mesa é apenas a primeira das dezenas de outras, sempre muito engenhosas e divertidas.

Os jardins de Hellbrunn contêm poços, fontes, lagos, grutas artificiais, várias esculturas e estátuas, quase uma Disneylândia barroca criada com o único propósito de entreter o imensamente rico príncipe-arcebispo de Salzburg e os seus convidados.  As fontes disfarçadas de Hellbrunn foram construídas por pedreiros da própria Salzburg e também da Itália, contratados dentre os melhores artesãos do seu tempo, que executaram as obras sob a orientação de Santino Solari, o engenheiro então mais famoso da Áustria, autor do projeto da Catedral de Salzburg.
A água foi desde o início o tema central no desenho do palácio. Numerosas fontes foram instaladas escondidas na sombra de árvores ou arbustos, ou disfarçadas em estátuas, jorrando de esconderijos inesperados sobre os visitantes distraídos para dar-lhes sustos, e aí está o maior encantamento que essas surpresas provocam nas pessoas.

FOTO 5 – O teatro mecânico.

A eletricidade seria descoberta só alguns séculos à frente. Como funcionavam – e funcionam ainda – as fontes de Hellbrunn? O que faz mover todo o mecanismo das fontes é a energia cinética da água. É a força hidráulica que põe tudo em movimento, como por exemplo o teatro mecânico lá existente, que conta com 138 figuras humanas de madeira que parecem ter vida própria.

FOTO 6 – A coroa que “levita”.

Impossível descrever todas as excentricidades das fontes e jogos d’água. A que mais me impressionou foi a da coroa dourada na forma de um cone, no centro de um gruta, que se eleva com um jato preciso de água, e fica como que pairando aos olhos maravilhados dos presentes, enquanto dá um suabilíssimo giro sobre seu próprio eixo.

São prodígios que podem ser vistos no filme adiante, de apenas oito minutos, que fiz quando lá estive, e que agora se encontra no YouTube neste endereço:


Devo acrescentar que os jardins de traçado italiano são de exuberante beleza, entre lagos e espelhos d’água, contendo conjuntos de variadas flores que se alternam com alamedas formadas por alas de altas e antigas árvores.

FOTO 7 – Rubens Faria Gonçalves e unicórnio no início dos jardins.


FOTO 8 – A exuberância dos jardins de Hellbrunn.


FOTO 9 – Francisco Souto Neto no gazebo de A Noviça Rebelde (The Sound of Music).

Num dos recantos desse vasto jardim está o gazebo que se vê no cultuado filme A Noviça Rebelde (The Sound of Music), com Julie Andrews. Referido gazebo também aparece no meu filme do YouTube acima, evocando o momento em que a filha mais velha do Capitão von Trapp (Christopher Plummer), a adolescente Liesel (Charmian Carr), de 16 anos, canta “I am Sixteen going on Seventeen”.

O Palácio de Hellbrunn só serviu aos arcebispos como uma residência em casos excepcionais. Com seus salões magníficos, os encantadores jardins e as fontes cheias de truques, o palácio foi usado principalmente como o local de celebrações dos prazeres da vida, de luxo e festas, de eventos espetaculares e, mais recentemente, de destaques culturais.

FOTO 10 – O Príncipe-Arcebispo Markus Sittikus Graf von Hohenems.

FOTO 11 – Planta de Hellbrunn.

E assim se encerra a história de um antigo príncipe-arcebispo da vida real, tão antigo e criativo quanto nos contos-de-fadas, cuja memória por acaso se une em tempos recentes ao filme A Noviça Rebelde.

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domingo, 24 de janeiro de 2016

“IGREJA DE SANTO INÁCIO DE LOYOLA EM ROMA: AS PINTURAS ILUSIONISTAS DE ANDREA POZZO E OUTRAS RIQUEZAS”, coluna do Comendador FRANCISCO SOUTO NETO no PORTAL IZAS ZILLI.


Igreja Santo Inácio de Loyola (Roma).

PORTAL IZA ZILLI – “IGREJA DE SANTO INÁCIO DE LOYOLA EM ROMA: AS PINTURAS ILUSIONISTAS DE ANDREA POZZO E OUTRAS RIQUEZAS”, coluna do Comendador FRANCISCO SOUTO NETO.

PORTAL IZA ZILLI

Iza Zilli

Portal Iza Zilli em 24.1.2016

Comendador FRANCISCO SOUTO NETO

IGREJA DE SANTO INÁCIO DE LOYOLA EM ROMA: AS PINTURAS ILUSIONISTAS DE ANDREA POZZO E OUTRAS RIQUEZAS

Roma é uma cidade com inúmeras faces. Uma vida inteira seria pouca para se conhecer a Cidade Eterna em profundidade. Em sua amálgama, ela preserva ruínas dos tempos dos Césares ao lado de magníficas igrejas renascentistas. Esses templos católicos são um dos capítulos mais fascinantes e ricos da História Romana. Além das denominadas “as quatro grandes de Roma”, há dezenas de outras igrejas com histórias impactantes e arquitetura preciosa, cujos interiores são obras-primas em termos de esculturas, de pinturas sobre tela e afrescos.

FOTO 1 - A Igreja de Santo Inácio de Loyola

Sempre que vou à Itália ocupo-me em conhecer igrejas. Numa das viagens que fiz a Roma, planejara conhecer, dentre outras, a Igreja de Santo Inácio de Loyola (Sant’Ignazio di Loyola a Campo Marzio), para ver na abóbada a pintura ilusionista de Andrea Pozzo (1642-1709). Há anos eu desejava conhecer esse templo, que me impressionava através das fotografias em livros, cujos afrescos foram por mim apelidados na minha infância de “a igreja dos anjos que caem”, uma referência às personagens da pintura do teto que parecem pairar tridimensionalmente no espaço.

Uma decepção seguida de um êxtase

Não tive sorte. Ao entrar na igreja, vi que o teto estava encoberto pelos andaimes de uma restauração que se fazia na pintura de Pozzo. Foi decepcionante. Entretanto, enquanto eu filmava um pouco do interior da igreja, alguém começou a executar no órgão de tubos a Tocata e Fuga em Ré Menor de Bach, e o fazia com tamanho vigor que foi como se, de repente, o tempo e o espaço deixassem de existir, dando lugar unicamente à música.  Foi um momento de êxtase, de pura magia. A tocata era executada com extremo entusiasmo, tal como deve ser, e eu instintivamente, através da lente da própria câmera, comecei a procurar pelo local onde estaria o aparelho musical instalado, pois desejava ver o organista que tocava com tamanho virtuosismo. Logo encontrei o lugar, na nave esquerda. Ao contornar uma meia parede de madeira, deparei com uma freira dedilhando o órgão. Ela era uma japonesa idosa e pequenina. Seus dedos que produziam a prodigiosa música pareciam ter vida própria sobre as teclas. Seus sapatinhos de salto alto não eram obstáculo para que os pés pressionassem com segurança os pedais. O som envolvia o templo inteiro e parecia levar os ouvintes a um estado hipnótico de encantamento.

Naquele tempo filmava-se em fitas de VHS. Ao retornar ao Brasil descobri, desapontado, que minha câmera apresentara um defeito e as imagens resultaram em preto-e-branco. O som, porém, restou perfeito, e a tocata de Bach, nos dedos ágeis da idosa organista, manteve o clima de magia do meu filme, que pode ser visto neste resumo de dois minutos que coloquei no YouTube:


São Roberto Belarmino

Além disso, pude ver outra das atrações da igreja, que é o corpo preservado do cardeal São Roberto Belarmino (1542-1621) dentro de uma urna de cristal, usando suas roupas eclesiásticas vermelhas, com o rosto protegido por uma máscara de ouro. Esse é um dos chamados “corpos impolutos” de santos da Igreja Católica, que não entraram em estado de decomposição e são expostos aos fiéis nas igrejas que os cultuam.

FOTO 2 - O corpo impoluto de São Roberto Belarmino num altar lateral.

Este, entretanto, é um santo que me parece polêmico. Se foi canonizado, é porque reconheceram nele as características inerentes aos santos, porém ele foi inquisidor (participou ativamente da tenebrosa Santa Inquisição) e foi um dos juízes de Giordano Bruno, que concordou com a decisão de queimá-lo vivo numa estaca como herege. Que santidade perrengue!

Ademais, por ordem do Papa Paulo V, foi o referido santo quem convocou Galileu Galilei para ordenar-lhe negar a doutrina de Copérnico de que a Terra se movia e o Sol era imóvel, e foi quem afirmou que se Galileu insistisse em afirmar que a Terra se movia ao redor do Sol, ele seria preso. Acrescentou São Roberto Berlarmino ao astrônomo: “O Sol está no céu e gira à volta da Terra em grande velocidade, e a Terra está muito distante do céu, e está imóvel no centro do mundo”.

Por essas e outras, é no mínimo curioso olhar para o corpo preservado desse santo, através da parede de cristal da sua suntuosa urna funerária...   

Dois anos depois, de volta a Roma

Passados dois anos retornei a Roma e fui novamente visitar a Igreja de São Inácio de Loyola. Desta feita não havia andaimes ou tapumes em seu interior. Entrei olhando fascinado para a abóbada e vi o esplendor do afresco ilusionista de Andrea Pozzo, um trompe-l’oeil que é uma das obras-primas da história da pintura.

FOTO 3 – A pintura de Pozzo na abóbada da igreja.

FOTO 4 – Detalhe do teto ilusionista de Andrea Pozzo.

FOTO 5 – Detalhe do teto ilusionista de Andrea Pozzo.

FOTO 6 – A falsa cúpula pintada por Pozzo: trata-se de um trompe-l’oeil.

FOTO 7 - A abside (altar-mor).

De fato, não se distingue com facilidade a ilusão da realidade e compreende-se instantaneamente o porquê de aquelas pinturas de Andrea Pozzo serem tão cultuadas. É preciso sentar-se para que os olhos perscrutem durante muito tempo os detalhes da impressionante obra pictórica.

O incrível túmulo do Papa Gregório XV

As capelas laterais da igreja também são de estonteante beleza. Por exemplo, à direita do altar-mor encontra-se aquela que abriga o túmulo do Papa Gregório XV (1554-1623), guardada por anjos de mármore que tocam trombetas, tendo a figura também de mármore do papa ao centro, e o pano de fundo é uma cortina de mármore colorido com as dobras idênticas às de um tecido verdadeiro.

FOTO 8 – Túmulo do Papa Gregório XV

Esse túmulo é impactante. Foi mandado construir por um sobrinho de Gregório XV, chamado Ludovico Ludovici (1595-1632), que fez jus aos favores recebidos do tio. Apenas três dias após eleito, o Papa Gregório XV elevou Ludovico a cardeal, embora este tivesse apenas 25 anos. Esse cardeal-sobrinho foi o detentor de uma autoridade e rendimentos sem precedentes na história da Igreja. Foi camerlengo e vice-chanceler da Igreja desde 1621. Pelo menos teve o mérito de ter sido um mecenas da arte e da literatura, mas não se esqueceu de imortalizar a si mesmo na construção do túmulo do tio-papa, pois mandou colocar na base do monumento a sua própria efígie, o que pode ser visto no filme de dois minutos que fiz no interior da igreja:


Não são somente as belezas aqui comentadas que existem dentro da Igreja de Santo Inácio de Loyola. Elas se desdobram a cada capela, a cada detalhe. É riqueza que sói existir nas igrejas do cristianismo romano, todas elas com profundos significados dentro da própria História da Humanidade.


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segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

"OS CÃES EM NOSSAS VIDAS", coluna do Comendador FRANCISCO SOUTO NETO no PORTAL IZA ZILLI.

Paco Ramirez e Tibério Bouledogue.

PORTAL IZA ZILLI

Iza Zilli

Capa do Portal Iza Zilli de 17.1.2016.

Comendador FRANCISCO SOUTO NETO

OS CÃES EM NOSSAS VIDAS

Hoje estou me sentindo bastante nostálgico, lembrando-me da minha infância que já vai tão distante, e por isso preferi escrever aos meus leitores através de uma crônica intimista.

No ano de 1948 meu pai transferiu nosso domicílio para Ponta Grossa, para assumir o cargo de diretor de redação no diário Jornal do Paraná. Fomos morar numa casa grande na Rua Visconde de Nácar, com seis quartos, dois dos quais no sótão, separados por um amplo hall no alto da escada.

FOTO 1 – Nossa casa na Rua Visconde de Nácar, em Ponta Grossa, entre as décadas de 40 e 50 (vinil encerado sobre tela, de Ruben Esmanhotto).

Durante o dia eu gostava de brincar no sótão, mas não me descuidava de observar uma porta que era mantida sempre fechada, localizada na parede do quarto da frente, que conduzia ao telhado. À noite, porém, eu não subia a escada sozinho porque sentia um medo enorme de que por aquela porta misteriosa do sótão pudessem sair os moradores noturnos do telhado: os zumbis, Frankenstein, as almas penadas, o lobisomem e o terrível “homem-de-ferro” (um robô imaginário).

As galinhas

Minha maior felicidade naquela fase dos 5 aos 8 anos, era o quintal onde viviam os cachorros perdigueiros do meu pai e as minhas galinhas de estimação. Naquele tempo era normal que as casas no centro da cidade fossem providas de galinheiros. Como toda dona-de-casa, minha mãe comprava galinhas na feira para eventualmente transformá-las em refeições. Entretanto eu me afeiçoava àquelas criaturas e dava-lhes nomes. Minha mãe, compreendendo minha afeição pelas aves, poupava-as. Minha predileta chamava-se Birro. Eu, e todos nós, referíamo-nos a ela como “o” Birro, mas era uma galinha preta do pescoço pelado. A que se tornou a mais mansa de todas, chamava-se Dengosa, uma galinha gorda, penas avermelhadas e crista carnuda. Outra era a Corriqueira, do tipo garnizé de penas arrepiadas.

Quando minha mãe matava alguma delas, era sempre uma que tivesse comprado no dia anterior, para que eu não tivesse tempo de me afeiçoar à mesma. Ainda assim, quando aparecia uma galinha na mesa do almoço, eu armava um tremendo berreiro. Íamos então ao galinheiro e eu fazia a contagem das galinhas. De fato, confirmava que as “de estimação”, praticamente todas, lá estavam ciscando alegremente. Chegamos a ter mais de 20 galinhas “de estimação” que produziam tantos ovos que minha mãe os dava às amigas da vizinhança.

Sweet

Tínhamos também um gato, o Juju, da minha irmã Ivone. Entretanto, minha paixão maior foi sempre pelos cães – que chamávamos e eu continuo chamando de cachorros. Bopí, Cholo, Pajé, Boré, Diana, Patori, Cacique, sucederam-se através dos anos, até à minha adolescência, quando já morávamos no maravilhoso casarão da Rua Augusto Ribas em Ponta Grossa, entre a XV de Novembro e a Marechal Deodoro.


FOTO 2 – Nosso casarão da Rua Augusto Ribas em Ponta Grossa, a partir de 1955. Entrava-se pelo portão à direita, subindo a escadaria. Naquela altura da edificação tínhamos um belo quintal com horta, jardim, cães e um galinheiro.

FOTO 3 – No fundo do quintal, a fox Sweet acomodada sobre as costas do velho e bom perdigueiro Cacique no ano de 1959.


FOTO 4 – Sweet no ano de 1966 em seu 10º aniversário, “lendo” Fábulas de La Fontaine.

No ano de 1956, aos 13 anos, minha tia Iraty Souto Emílio presenteou-me com a Sweet, uma cachorrinha fox. Esta foi a primeira a viver dentro de casa. Era adorável e morreu de câncer em 1967, antes de completar 11 anos.

Quincas

Meu pai falecera em 1963 após longa enfermidade, e eu e minha mãe passamos a viver dias difíceis. Ainda em Ponta Grossa, mudamo-nos para um apartamento de três quartos na Av. Paula Xavier, entre a XV de Novembro e a Doutor Colares.

Meu irmão Olímpio, nove anos mais velho que eu, residia em Nova York, casado com Maria Aparecida. Eles tinham um casal de chihuahuas, ambos com pedigree do American Kennel Club, que registraram como Cutu Poncho e Pipoca Americana. Estes tiveram uma única cria, que nasceu de uma cesariana em 1973 e recebeu o nome de Quincas Little Poncho. Olímpio trouxe esse minúsculo filhote de presente para nossa mãe e para mim. Quando adulto, seu comprimento pouco passava de um palmo. Como o pai era de pelo curto e a mãe de pelo longo, o Quincas, visto à distância com sua cauda de pelos largos sempre levantada em meio círculo, assemelhava-se a um esquilo. Quando saíamos com ele para passear, os carros paravam e as pessoas perguntavam “que bicho é esse?”. Não era para tanta estranheza, pois o Quincas era um cãozinho perfeito... e amoroso.

Como eu trabalhava e também saía à noite, ele era o companheirinho da minha mãe, embora dormisse comigo. Toda noite ele ficava uns minutos deitado ao meu lado, mas em seguida queria descer para ficar no seu minúsculo leito, junto à minha cama. O Quincas foi retratado por artistas famosos; por exemplo, Rubens Gennaro fez-lhe duas caricaturas, Dª Ida Hannemann de Campos deu-me de presente um desenho estilizado do Quincas, Antonio Macedo (autor de retratos de uns seis ou mais governantes do Paraná, em exposição permanente na galeria dos ex-governadores no Palácio Iguaçu) pintou-o com minha mãe em óleo sobre tela, Chico Lopes e Pedro Tikon retrataram-no comigo em desenhos. Quincas tirou fotos nos braços de atores conhecidos, como Henriqueta Brieba e Carlos Kroeber.

FOTO 5 – Quincas no seu 1º aniversário em 1974, com minha mãe Dª Edith Barbosa Souto.

FOTO 6 – “Souto Neto e Quincas em seu mundo interior” – Francisco Souto Neto com Quincas Little Poncho no ombro. Desenho de Chico Lopes – 1980.

FOTO 7 – “Souto Neto, Quincas e a Arte” – Caricatura de Rubens Gennaro – 1986.

FOTO 8 – “Souto com sua mãe e Quincas: a vitória do SBAI” – Caricatura de Rubens Gennaro – 1987.

FOTO 9 – “Dona Edith Barbosa Souto e seu chihuahua Quincas Little Poncho” – Óleo sobre tela de Antonio Macedo – 1987.

FOTO 10 – Quincas estilizado. Desenho de Ida Hannemann de Campos – 1988.

FOTO 11 – “Saudade do Quincas” – Desenho de Pedro Ticon – 1990.

Um pouco da vida do Quincas pode ser visto no seguinte link, com curtos fragmentos de filmes mudos feitos em Super8 há cerca de 35 anos, no começo da década de 80:  https://www.youtube.com/watch?v=SkOWITyrQTQ

 O Quincas morreu de causas naturais em 1989, aos quase 17 anos, quando eu e minha mãe já morávamos em Curitiba, onde eu exercia as funções de Assessor da Diretoria (depois da Presidência) e Assessor para Assuntos de Cultura do Banestado. Minha mãe faleceria oito anos depois disso, em 1997.

Paco Ramirez

Como o sofrimento pela morte dos bichinhos de estimação é para mim sempre muito intenso, não muito diferente da dor pela perda de familiares e amigos, resolvi que nunca mais teria outros cães. Entretanto, no ano de 2003 comprei um chihuahua de cores branca e dourada, que registrei no Kennel Club com o nome de Paco Ramirez, acrescido “de San Martín”, nome do canil, como é de praxe.

FOTO 12 – A chegada do Paco Ramirez em 2003.

FOTO 13 – A vida era uma festa.

FOTO 14 – Aparecer na imprensa tornou-se rotineiro ao Paco.

FOTO 15 – Em 2015, Paco e seu amigo Tibério.

Os motivos que me levaram a comprar o cachorrinho, foram descritos com enorme sensibilidade pelo jornalista Adriano Justino, no Caderno Animal da Gazeta do Povo, por ele intitulado “Paco Ramirez, el corazón de Souto Neto”, que pode ser lido neste link:  http://viagenseopinioes.blogspot.com.br/2011/09/paco-ramirez-el-corazon-de-souto-neto.html

Paco Ramírez de San Martín cresceu dócil, até um tanto tímido, alegre, obediente, inteligente, e nunca mordeu ou avançou contra uma pessoa. Entendia tudo o que eu lhe falava, e às vezes parecia ler o meu pensamento. Foi como se tivéssemos descoberto uma forma secreta de comunicação. Dentro de casa, parecia ser a minha sombra: estava sempre onde eu me encontrava. Dormia comigo, na minha  – melhor dizer na nossa –  cama. Passeávamos todas as tardes. Como ele tinha um amigo, um buldogue francês chamado Tibério Bouledogue (pertencente a Rubens Faria Gonçalves, que mora no mesmo prédio, uns andares acima do meu), sempre nos telefonávamos na hora do passeio, procurando possibilitar a saída de ambos os cães juntos, que iam andando alegremente lado a lado.

O filme adiante, muito recente, de outubro de 2015, mostra o passeio dos cães Paco e Tibério, que poderá ser visto neste link do YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=S9NqXI1Ng_Q

Em maio de 2015 o Paco teve um sério problema na vista direita, quase perdeu esse olho, mas foi atendido pelo Dr. Luimar Carlos Kavinski, do Hospital Veterinário São Bernardo, que conseguiu salvar não apenas o seu globo ocular, mas também a visão.

Em setembro o Paco sofreu uma síncope. Atendido pelo mesmo médico, entrou em rigoroso tratamento e teve uma significativa melhora. O filme referido um pouco acima, feito um mês após a síncope, atesta que o Paco levava sua vida praticamente normal.

Na primeira quinzena de dezembro de 2015, fotografias do Paco apareceram em duas revistas: na CÃES & CIA nº 438, ao lado do seu amigo Tibério, sob o título “Dupla díspar”, que no momento em que escrevo esta crônica ainda se encontra nas bancas de revistas de Curitiba (vide em http://viagenseopinioes.blogspot.com.br/2015/12/dupla-dispar-capa-da-caes-cia-n-438.html ), e também na Revista Qualidade Brasil (igualmente de dezembro de 2015) no meu colo, em reportagem sobre o título de comendador que me foi outorgado em setembro último (vide em http://viagenseopinioes.blogspot.com.br/2015/12/comendador-francisco-souto-neto-uma.html ).

 No dia 20 de dezembro o Paco dormia placidamente numa almofada sobre o sofá, e com minha câmera automática tirei uma fotografia com ele, sem acordá-lo.

FOTO 16 – Francisco Souto Neto com Paco adormecido na manhã de 20 de dezembro de 2015.

Depois que acordou tomou os remédios e comeu alegremente a sua ração. Ninguém poderia supor que tudo mudaria algumas horas depois. À noite foi acometido de grave crise cardiorrespiratória. Levado imediatamente ao hospital veterinário, apresentava edema pulmonar. Tomou soro para tentar resolver o problema. Como persistisse a respiração ofegante, foi posto no balão de oxigênio, mas não resistiu. Morreu na manhã de 21, menos de três meses antes de completar seu 13º aniversário. Foi cremado no Crematório de Animais Pet Céu. Na tarde de 22 recebi uma urna com suas cinzas. Urna simples, padronizada, branca. Com extrema delicadeza, o Pet Céu colocou dentro da urna o pequeno plástico contendo as cinzas, adornado por um saquinho rendilhado com detalhes dourados. Fiz um buraco no jardim do prédio onde resido, sob o ipê, ao lado de onde no distante ano de 1989 enterrei o Quincas, forrei o fundo do buraco com o brinquedinho de pelúcia que era o seu predileto, sobre este brinquedo espargi as cinzas, em seguida cobrindo tudo com terra e o tampão de grama.

FOTO 17 – Paco Ramírez de San Martín (19.3.2003 – 21.12.2015).

Foram quase 13 anos de amor, carinho e companheirismo. Minha prima Lúcia Helena Souto Martini enviou-me um e-mail muito significativo quando o Paco morreu, com o qual eu encerro esta crônica. Escreveu ela: “Consternada e triste. Sim, eu sei como é. E é aí que eu me pergunto: se existisse uma pílula do esquecimento, que apagasse todas – todas – as lembranças, você tomaria? Claro que não. Nem eu. O legado de amor e carinho que eles deixam é grande demais para ser esquecido, mesmo que isso pudesse evitar a dor. Sempre sabemos que um dia eles vão embora, mas nunca estamos preparados. Esses anjos são teimosos: um belo dia voam pra dentro do nosso coração e lá ficam para sempre”.

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P.S.: 
UM ADENDO EM SETEMBRO DE 2020

Decidi-me por acrescentar um adendo a este artigo que escrevi em janeiro de 2016, portanto há quatro anos e meio. Quero apenas registrar que após viver mais de 40 anos no Centro Cívico, mudei-me para um apartamento no centro de Curitiba, próximo a bancos, shopping centers, mercados, farmácias, teatros, restaurantes... não preciso usar meu carro para praticamente nada. Comprei um grande apartamento em sociedade com um velho amigo, Rubens Gonçalves, que morava no mesmo prédio do Centro Cívico, uns andares acima do meu. A ideia foi a de que poderíamos estar mais próximos para um atender ao outro em casos de emergência, pois somos idosos septuagenários. Tivemos êxito nesta decisão. 

Mas resolvi não ter mais cachorros, embora deseje tê-los. É que, pelo avançado da idade, certamente eu morreria antes do meu cachorro, e ele ficaria sofrendo a ausência do dono.
 
Além disso, estamos num momento inimaginável da História, que é a pandemia da covid-19 que envolve todo o planeta e o aflige com contágios e mortes aos milhões. Daqui para a frente, só nos salvaremos se for encontrada uma vacina para combater esta terrível peste.
 
Abaixo, minha fotografia neste tempo de isolamento social.

FOTO 18 - Francisco Souto Neto aos 77 anos en 2020.

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segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

"AS VOLTAS QUE O MUNDO DÁ", coluna do Comendador FRANCISCO SOUTO NETO no PORTAL IZA ZILLI.

PORTAL IZA ZILLI


Portal Iza Zilli de 10.1.2016

Iza Zilli

Comendador FRANCISCO SOUTO NETO
AS VOLTAS QUE O MUNDO DÁ

As novidades parecem ser sempre bem-vindas aos mais jovens, mas em se tratando de trabalho formal, todos costumam ser resistentes a novas regras. Afirmo isso como bancário que fui durante 30 anos. Trabalhei no Banestado – o extinto Banco do Estado do Paraná – até aposentar-me em 1991.

A novidade do computador

            Durante o governo Jaime Canet Júnior (de 15.3.1975 a 14.3.1979) meu cargo era de Assessor de Diretor e eu atuava com Ivo Meirelles de Almeida, que respondia pela Diretoria de Crédito Rural na referida instituição bancária. Era o período da ditadura militar. Em 15.3.1979 Nei Braga foi eleito indiretamente para o governo do Paraná, que nomeou Lourival Guebert para assumir a diretoria onde eu trabalhava. Foi durante esse período que os técnicos do Banestado visitaram-me em meu gabinete, informando-me que iriam instalar computadores nas mesas de trabalho de todas as diretorias do banco. Minha reação foi: “Na minha mesa, não!”. A reação do diretor foi idêntica: “Na minha mesa também não”. Os técnicos argumentavam: “Mas o computador vai ser muito bom para todos, que receberão aulas para aprenderem a utilizá-lo”... Eu e meu diretor fomos inflexíveis: “Não!”.  Eu estava decidido a jamais pôr as mãos naquela engenhoca desagradável a que chamavam de computador.
Com a passagem dos anos eu viria a compreender que o computador iria reger o mundo e que todos nós dependeríamos de tal tecnologia. Embora eu trabalhasse em tempo integral no Banestado, nos finais de semana me dedicava à coluna “Expressão & Arte” que eu assinava no Jornal Indústria & Comércio a convite de Aroldo Murá. Naquela década nós, jornalistas, datilografávamos nossas matérias em laudas de papel-jornal, que levávamos à redação, onde as equipes de linotipistas transcreviam esses textos para que fossem impressos.

Somando esforços com Iza Zilli

          Não me recordo quando, talvez no começo da década de 80, minha amiga Iza Zilli tinha oito páginas no Jornal do Estado para publicar as suas matérias. Como tal espaço jornalístico era vastíssimo, convidou-me a inserir ali um apêndice da minha coluna. Assim, durante certo tempo eu e Iza somamos nossos trabalhos.

Francisco Souto Neto e Iza Zilli 
na segunda metade da década de 80.

Naquela época a minha coluna “Expressão & Arte”, que era publicada em meia página (depois página inteira), encontrava-se em franca ampliação. Estava também na revista Charme, e aos sábados era levada ao ar por mim mesmo na Rádio Estadual, a convite de Eron da Luz Trindade e Sale Wolokita, na gestão de René Dotti na Secretaria de Estado da Cultura. Essa variante radiofônica da minha coluna tinha a função de me treinar para que em alguns meses eu inaugurasse “Expressão & Arte” na TV Cultura (Estadual). Portanto, publicar meus textos também na coluna da Iza, ajudaria a ampliar o meu leque de leitores.

O universalismo da internet

A certa altura, não sei precisar em que ano, disseram-me na redação do jornal que eu era o único jornalista de Curitiba que não usava o computador para escrever as matérias. Em vista disso, resolvi comprar a moderna geringonça. Escrevi meu texto e aprendi a transferi-lo para um disquete, que eu levava pessoalmente à redação do jornal, então instalado na Rua Comendador Araújo. Com a passagem das semanas, os meus amigos da redação do jornal fizeram-me ver que eu não precisaria ter o trabalho de atravessar a cidade para levar-lhes o disquete com meus escritos e fotos. Bastaria integrar-me à internet para enviar-lhes a matéria em um segundo, simplesmente acionando um botão
Eu, que até então usava o meu computador apenas como um substituto da máquina datilográfica, descobri que a minha conexão à internet era muito mais do que isto. Representava ter o universo inteiro ao alcance das mãos.
Muito tempo depois, por volta de 2010, conversando com Iza Zilli, contou-me a minha amiga que as pessoas estavam preferindo a internet, e não a imprensa tradicional, para a veiculação dos seus assuntos. Essa assertiva foi-se confirmando com a passagem do tempo. Lembrei-me disso quando li a notícia de que o tradicionalíssimo e respeitado Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, deixaria de circular no papel e que passaria a existir apenas virtualmente na internet. Levei um susto. Mas essa diminuição – melhor seria dizer desaparecimento – da forma física dos jornais está se ampliando. Basta dizer que a partir do corrente mês, dezembro de 2015, desapareceu e edição dominical da Gazeta do Povo. Se Dino Almeida e Juril Carnasciali estivessem ainda entre nós e ouvissem essa notícia, certamente gritariam em uníssono: “Não acreditamos”.

Olhando para o futuro

Mas assim é. Diminui a importância da notícia no papel e cresce desmesuradamente na tela do computador.

Os acadêmicos Francisco Souto Neto e Iza Zilli 
em foto atual na Academia de Letras José de Alencar.

É neste embalo que Iza Zilli está hoje inaugurando o seu Portal na web. Uma vez mais minha amiga me convida para caminharmos lado a lado nessa novíssima jornada cibernética. Este novo caminho é muito promissor e universalizado porque, no prodígio da atual tecnologia, nossas palavras poderão ser alcançadas instantaneamente por qualquer pessoa em qualquer parte do mundo.
Iza tem tudo para fazer do seu Portal um sucesso em acessos não apenas por parte dos seus amigos de Curitiba e do Paraná, mas de pesquisadores incógnitos pelo mundo afora. Vamos todos tentar influir para que o interesse pelo Portal Iza Zilli só faça por se multiplicar a cada nova edição.
Sucesso, amiga Iza! 

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